sexta-feira, 2 de outubro de 2015

A viagem perfeita #SQN - Confiança jogada no lixo


O vinho não era o Lambrusco como ela tinha pedido. Não houve tempo hábil para a compra porque a comunicação falhou. O desejo de fazer a surpresa para ela foi maior do que tempo para procurar o tal e os frios. Mesmo assim passar aquele final de tarde e noite com ela e depois viajarem de volta ao Rio era o que mais importava. Pé na estrada mesmo sem ter conseguido falar com ela.
O encontro foi gostoso. Há tempos que ele queria encontrá-la fora daquele ambiente hostil de trabalho. Tudo seria diferente. Aquele abraço caloroso de quem não se via fazia quase um ano. Por muito tempo só o contato telefônico havia. A rede social também os mantinha conectados, falando sobre tudo um pouco. Trabalho, pessoas, viagens, relações, sexo . . .
Sempre existia a brincadeira carinhosa que era peculiar dele. O carinho que ele dedicava àquela pequena era verdadeiro e muitas vezes parecia recíproco. Ela não deixava passar disso.
Muitas risadas foram dadas e muitas histórias contadas, regadas a qualquer outro vinho tinto suave, que era o que ela gostava. Depois de tanto tempo que eles se conheciam, esta era a primeira vez que se encontravam sem rigidez no horário e mais ainda livre, agora no ambiente dela. Arrumar a casa junto foi super tranquilo. Ela passaria duas semanas fora. Esvaziar a geladeira e não deixar nada sujo pra evitar bichos nojentos e mal cheirosos pela casa, e outras pequenas coisas foram feitas com prazer pelos dois. Tudo era divertido.
Tudo pronto e a hora ainda permitia um cochilo até o momento de irem pra rodoviária. Foi lindo quando ela dormiu encostada sobre o peito dele como que num piscar de olhos. Ele também cerrou os olhos, mas não sem antes acariciar aqueles cabelos que tanto apreciava.

Despertador tocou, e poucos instantes após levantarem e escovarem os dentes com aquele sorrisinho no canto da boca, lá estava o táxi a esperá-los.
Já no ônibus a felicidade por estarem juntos era clara, e o peito dele foi outra vez o local preferido para o repouso. Assim permaneceram por muito tempo. Ele não quis dormir, pois não queria arriscar roncar, pela posição em que estava, e também porque não queria perder um segundo da visão daquela com a qual havia sonhado por tanto tempo ter nos braços. O pensamento se misturava entre acariciar aqueles cabelos outra vez e ousar descer as mãos pelos pequenos seios, tamanho "boca", parando este movimento descendente no meio daquelas pernas. Sentir a maciez de seu vale.
Mas até que ponto seria permitido ? Arriscar ou não? Ou será que era isso que ela sempre esperou? Momento passou e a porta se fechou?
Ele queria escrever cada detalhe, pra depois eternizar aquela noite em um texto, mas as palavras não vinham. A dúvida e a vontade de tocá-la rondavam a cabeça, mas o medo de estragar tudo foi maior. Certamente ele dormiu depois disso. Se roncou ou não, ela nada comentou. O que aconteceu depois não foi de grande destaque a não ser as duas caras amassadas descendo na rodoviária, despedindo-se com um abraço bem forte e um beijo gostoso de agradecimento pela companhia, daquele de quem quer dizer "adorei. A gente se vê".

Agora cada um foi pro seu lado:
Ela indo tomar a condução para o trabalho;
Ele para a sua casa, com a certeza de fez uma das maiores burradas de sua vida.

A viagem de fato aconteceu, mas o "conto de fadas" foi na cabeça dele, pois uma desculpa sem nexo impediu que se encontrassem. Justificativas idiotas para não encontrar aquele que ela conhecia já a algum tempo e supostamente entendia e gostava. Não entendeu merda nenhuma e não teve qualquer consideração. Difícil crer alguém não valorizando a presença de um amigo distante na sua cidade, quase na sua rua.
"Não estou legal e preciso dormir um pouco". Tá com medo de quê? Ele não ia violentá-la, idiota! Do contrário, vai cuidar de você! Abraço de carinho e uma boa conversa era o que lhe bastava, sua burra!
O cinema sozinho foi o que ele curtiu pra passar o tempo até seu ônibus que seria 6 horas depois. Viagem já perdida e o ônibus dela 8 horas depois, não foi difícil trocar a passagem pra irem juntos e constatar definitivamente o sentimento que havia por parte dela, especialmente.
Aquela pessoa supostamente triste por ter vacilado com alguém que a considerava desapareceu no encontro de verdade. Ela agora estava na vantagem. Virou a mesa pois ele tomou a porrada e ficou pra tomar outra. Conversa amena na viagem, e repulsa quando ele acariciou os cabelos. Nenhum gesto físico de carinho. A negativa saiu da boca dela mesma.

Na despedida os braços dele aguardavam ao menos um abraço daquele corpo alvo. Nem isso. A boca nada beijou.
Um "tchau. Valeu, fulano" foi o que ele ouviu enquanto nem pra trás ela olhou.
Saiu dali se sentindo um merda total.

Sentimento não durou muito. Sua cabeça ficou leve ao perceber que só quem perdeu foi ela.
Perdeu um cara disposto a fazer muitas merdas no seu caminho já traçado, pra ficar com ela.
Perdeu aquele que buscava ajudá-la em tudo que precisava, fosse no trabalho ou fora dele.
Aquela mulher que ele achou em certo momento que tinha muito a ver, com alguns pensamentos e gostos semelhantes, maneira de encarar o mundo e até alguns planos, se mostrou ser três pessoas numa só. Uma ao telefone, outra no computador, e outra completamente diferente pessoalmente.
Essa pessoa ele não quer mais. Deixou de ser o problema. Essas atitudes o fizeram perceber que os mundos são diferentes e que o dele é muito melhor. Cego, achava que o jeito que a dita-cuja vivia era o que o faria feliz também. Ledo engano.
O cartão que ele a presenteou no ônibus, falando de amizade, pode ser rasgado e jogado no lixo. Tudo o que estava escrito nele já fora rasgado pelas palavras e acontecimentos deste episódio.

Dois meses se passaram.

Ele não mais a procurou, como sempre fazia (só ele);

Ela ainda mandou mensagem, falando só sobre trabalho . . .

Só pra isso ele servia . . .



A.G.

Nenhum comentário:

Postar um comentário